Apnéia Obstrutiva do Sono Como Fator de Risco Para Morte Súbita Cardíaca

Jornal da SOBRAC nº 34 . 2014 . 31 Glaucylara Reis Geovanini

Desde o artigo publicado em 2005, na NEJM¹ sobre a variação circadiana de pico de MSC (morte súbita cardíaca) à noite, em pacientes com AOS (apneia obstrutiva do sono), o que é diferente da população geral, visto que nesta o pico de MSC ocorre geralmente entre 06:00-12:00h e nos pacientes com diagnóstico de AOS foi entre 00:00-06:00h, a associação entre AOS e MSC começou a ser estudada.

Em 2013, foi publicado um artigo, do mesmo autor daquele publicado em 2005 (Apoor S. Gami), no JACC² sobre a AOS como um fator de risco para MSC. Foi um estudo longitudinal, retrospectivo, 10.701 participantes, consecutivos, referidos ao laboratório do sono para realizar polissonografia noturna (exame padrão-ouro para diagnóstico de AOS), entre 01/07/1987 a 31/07/2003, na Mayo Clinic; eram todos residentes de Minnesota - USA e >18 anos. Aqueles com diagnóstico prévio de AOS ou MSC recuperada foram excluídos. A definição de AOS se deu através do IAH (índice de Apneia-Hipopneia) que reflete o número de eventos de apneia e hipopneia por hora de sono (≥5 eventos/h). A MSC foi estabelecida quando a morte súbita ocorreu por causas cardíacas (como morte arrítmica, infarto agudo do miocárdico ou outras causas cardíacas) e o tempo entre o início dos sintomas até a morte foi ≤1 hora. Todos os participantes tinham histórico médico sobre antecedentes e comorbidades verificados através de prontuários médicos. O seguimento total foi por 15 anos, com média de 5,3 anos. Conforme os resultados, 142 participantes tiveram MSC fatal ou ressuscitada, com média anual de risco de MSC (0,27%/ano), de acordo com a causa da morte (58 foram por causa indefinida, parada extra-hospitalar ou falta de autópsia; 18 por infarto agudo do miocárdio; 44 por arritmias; 21 por choque do cardioversor-desfibrilador implantável e 1 por tromboembolismo pulmonar maciço). A prevalência de AOS (IAH≥5) foi de 78% com IAH médio de 31 ± 32. A idade média foi de 53 ± 14 anos e 68% eram do sexo masculino. Quanto ao histórico de antecedentes: 41% HAS, 14% DM, 57% história de tabagismo, 14% DAC, 5% AVC ou AIT prévios, 6% IC, 0,4% de TVNS ou extrassístoles ventriculares, 0,1% era portador de CDI e o IMC médio era de 34 ± 9 kg/m2. Na análise univariada, os preditores de MSC foram: idade >60 anos (OR: 5,53 e p<0,0001), IAH ≥20 (OR:1,60 e p=0,007), saturação de O2 (SatO2) média à noite <93% (OR: 2,73 e p<0,0001) e a SatO2 mínima <78% ( R: 2,60 e p<0,0001). Na análise multivariada, em relação aos parâmetros do sono, apenas a SatO2 mínima <78% permaneceu independente como preditor de risco para MSC (OR:1,81 e p=0,0008). Outros preditores de MSC, na análise multivariada, foram: idade, história de HAS, cardiomiopatia ou insuficiência cardíaca, extrassístoles ventriculares ou TVNS e doença arterial coronária. A conclusão do presente estudo foi a de que a AOS é um novo preditor de risco para MSC e a magnitude do risco foi predita por vários parâmetros, como a gravidade da AOS (pelo IAH) e pela hipoxemia noturna. A SatO2 mínima <78% foi um fator de risco independente para MSC, dentre as variáveis analisadas. Como provável mecanismo fisiopatológico de associação entre a AOS e o risco para MSC, foi explicado o papel da hipoxemia noturna intermitente e a ativação do sistema nervoso simpático (ambos mecanismos envolvidos no contexto da AOS), como gatilhos para arritmias ventriculares e consequente MSC. Todavia, outras hipóteses também foram discutidas no estudo, uma vez que a AOS já foi associada a um status de hipercoagulabilidade sanguínea. Sabendo que a AOS é uma doença comum e atinge até um terço da população de São Paulo³ é que, através da hipoxemia intermitente, causada pelos eventos de apneia além da hiperativação do sistema nervoso simpático, a associação fisiopatológica com doenças cardiovasculares já foi estabelecida e a relação com a presença da AOS e maior mortalidade cardiovascular, avaliada⁴ Portanto, o presente estudo nos alerta para mais uma perigosa associação da AOS no contexto cardiovascular, agora como preditor para MSC.
Referências

1. Gami AS, Howard DE, Olson EJ, Somers VK. Day-night pattern of sudden death in obstructive sleep apnea. N Engl J Med. 2005 Mar 24;352(12):1206-14.
2. Gami AS, Olson EJ, Shen WK, Wright RS, Ballman KV, Hodge DO, Herges RM, Howard DE, Somers VK. Obstructive sleep apnea and the risk of sudden cardiac death: a longitudinal study of 10,701 adults. J Am Coll Cardiol. 2013 Aug 13;62(7):610-6.
3. Tufik S, Santos-Silva R, Taddei JA, Bittencourt LR. Obstructive sleep apnea syndrome in the Sao Paulo Epidemiologic Sleep Study. Sleep Med. 2010 May;11(5):441-6.
4. Marin JM, Carrizo SJ, Vicente E, Agusti AG. Long-term cardiovascular outcomes in men with obstructive sleep apnea-hypopnea with or without treatment with continuous positive airway pressure: an observational study. Lancet. 2005 Mar 19-25;365(9464):1046-53.

Abreviações

AOS= Apneia Obstrutiva do Sono
MSC= Morte Súbita Cardíaca
IAH= Índice de Apneia-Hipopneia
HAS= Hipertensão Arterial Sistêmica
IC= Insuficiência Cardíaca
DM= Diabetes Mellitus
DAC= Doença Arterial Coronária
AVC= Acidente Vascular Cerebral
AIT= Ataque Isquêmico Transitório
IMC= índice de massa corpórea (kg/m2)
CDI= cardioversor-desfibrilador implantável
TVNS= Taquicardia ventricular não-sustentada

Veja também